1.

1.1 ENQUADRAMENTO E CONDICIONANTES

O escrutínio público a que estão sujeitas as empresas públicas e privadas leva-nos a concluir que a gestão e o planeamento fiscal devem ocupar um lugar de destaque no processo de tomada de decisão dos gestores. Note-se que o actual contexto económico requer mais envolvimento na criação de valor por parte destes nas empresas.

No entanto, o entendimento da legislação fiscal não é domínio de todos, pelo que, o envolvimento de profissionais competentes na área permitirá levar ao conhecimento dos interessados os seus benefícios para dela tirarem proveito legítimo através de ganhos nas suas empresas.

Recorremos à análise da legislação aplicável, da doutrina da Administração Fiscal, bem como, à consulta de artigos e de livros publicados sobre assuntos de fiscalidade, auditoria e outros temas relacionados com o estudo, tendo em vista aferir a importância da gestão e do planeamento fiscal, e também, um conhecimento mais aprofundado acerca dos requisitos para os benefícios fiscais.

Concluímos que existe legislação fiscal susceptível de provocar positivamente impactos fiscais relevantes nos resultados das empresas, contudo, as informações encontram-se dispersas e obedecem a critérios rigorosos nem sempre respeitados. Impõe-se assim a necessidade de conceber ferramentas de apoio que auxiliem aos correctos procedimentos, mormente devido ao inequívoco interesse na divulgação dessas oportunidades.

 

Antunes (2006) refere que a evasão e fraude fiscal não se assemelham aos actos de poupança fiscal, de planeamento fiscal ou de gestão fiscal.

Através da gestão fiscal, as empresas almejam definir um método tendente a pagar menos impostos, fazendo uso das medidas mais adequadas à sua real situação fiscal, mas disponíveis no quadro jurídico-legal positivado.

Uma boa gestão comercial, financeira e fiscal implica, necessariamente, o dever de utilizar todas as medidas disponíveis com vista ao máximo lucro, concorrendo para tal desiderato, também, a poupança fiscal.

Nas palavras de Gomes, (Gomes, 2005, p. 14) “A gestão fiscal consiste no estudo e planeamento do acesso a benefícios fiscais e incentivos financeiros e no uso de alternativas fiscais, permitidas pela lei, de modo a que sejam prosseguidos os objectivos da empresa.” A mesma autora reitera que, a gestão fiscal sustenta-se numa actividade que recorre frequentemente a benefícios e incentivos fiscais.

Acrescenta também que, são diversos os pontos que exigem uma atenção redobrada ao planeamento e gestão fiscal das empresas, citando como relevante o peso de cada vez maior da carga fiscal, as medidas governamentais para reforço do combate à evasão e fugas fiscais, a crescente integração das economias europeias e mundiais e consequente contradição entre, por um lado, a tendência para a progressiva harmonização fiscal internacional e, por outro, a necessidade de cada país ser fiscalmente competitivo.

 

De acordo com Mallard, Mazas e Selles (1994) a fiscalidade tem uma função social. Os investigadores são da opinião que essa função representa o mais recente papel desempenhado pela fiscalidade nessa óptica da fiscalidade, assegurando que “ Gerir a fiscalidade, é intervir nas escolhas fiscais que se oferecem à empresa, mas é igualmente um estado de espírito.” 1 (Mallard et al.,1994, p. 17). Referem que o gestor tem um papel a desempenhar que consiste em procurar as soluções fiscais mais vantajosas para a empresa. Os autores mencionam como indispensável para o desempenho, com eficácia, do papel do gestor, este deve ser conhecedor e tomar em consideração a situação fiscal actual da empresa, assim como integrar o contexto económico da empresa e as desvantagens da operação na decisão fiscal. Apontam igualmente como importante o saber antecipar ou atrasar uma decisão com vista à obtenção da máxima vantagem fiscal, o saber avaliar as escolhas entre vantagens económicas e inconvenientes fiscais em certas situações.

Segundo um estudo de Alesina e Ardagna (2009), os incentivos fiscais baseados em redução de impostos são mais propensos a aumentar o crescimento económico.

 

 

1.2 PLANEAMENTO FISCAL

A poupança fiscal é um direito do contribuinte que assenta no princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica.

De acordo com o artigo 61.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa “A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.”

As empresas de média e grande dimensão são as que normalmente efectuam planeamento fiscal recorrendo a serviços de profissionais especializados, tais como consultores, advogados-fiscalistas e gestores fiscais.

Sanches (2006, p.21) refere que:

O planeamento fiscal consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renúncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador, está acompanhada de menos encargos fiscais.”

O autor (Sanches, 2006, p.9) acrescenta também que “O planeamento fiscal como actividade lícita e juridicamente tutelada constitui não só um direito subjectivo do sujeito passivo das obrigações fiscais, mas também uma condição necessária para a segurança jurídica das relações tributárias.”

Segundo Fabretti (2006, p.32; citado por Lima, 2010),“O estudo feito preventivamente, ou seja, antes da realização do fato administrativo, pesquisando-se seus efeitos jurídicos e económicos e as alternativas legais menos onerosas, denomina-se Planejamento Tributário, que exige antes de tudo, bom senso do planejador”.

Domingues (2000, p. 112; citado por Silva, 2012) define o Planeamento Tributário como:

“Atividade empresarial que, desenvolvendo-se de forma estritamente preventiva, projeta os atos e fatos administrativos com o objetivo de informar quais os ônus tributários em cada uma das opções legais disponíveis, cuidando de implementar aquela menos onerosa, formando um conjunto de condutas, comissivas, da pessoa física ou jurídica, realizadas antes ou depois da ocorrência do fato gerador, destinadas a reduzir, mitigar, transferir ou postergar legalmente os ônus dos tributos.”


Nogueira (1980, p.202; citado por Ferreira e Duarte, 2005) argumenta que:

“Ninguém é obrigado a escolher, entre várias formas possíveis, aquela que seja sujeita a impostos mais altos (...), pois a possibilidade de uma estruturação, que em face da legislação tributária seja mais favorável, corresponde ao interesse justo do contribuinte, reconhecido pela ordem jurídica.”

Para Batista Júnior (2002, p.42; citado por Ferreira e Duarte, 2005)

“(...) existe o direito do contribuinte de se auto-organizar, entretanto, esse direito para além de não ser absoluto, não está isolado no mundo, mas se situa dentro de um contexto, que não se circunscreve apenas ao contexto do ato em si, mas a um contexto dos efeitos que acarreta pelo exercício. Há que se levar em conta não apenas o interesse de quem pratica o ato, mas o interesse de terceiro e o próprio interesse coletivo.”

Borges (1998, p.56; citado por Ferreira e Duarte, 2005) considera o Planeamento Fiscal

“Uma técnica gerencial que visa projetar as operações industriais, os negócios mercantis e as prestações de serviços, visando conhecer as obrigações e os encargos tributários inseridos em cada uma das respetivas alternativas legais pertinentes para, mediante meios e instrumentos legítimos, adotar aquela que possibilita a anulação, redução ou adiamento do ônus fiscal”

 

Na verdade, na óptica de muitos contribuintes a expectativa sobre o planeamento fiscal será a diminuição da factura fiscal.

Constata-se contudo que esta visão é demasiado focalizada, correndo o risco de ser redutora porquanto não integradora duma visão empresarial global.

 

A optimização da factura fiscal deverá sempre estar subordinada à maximização do valor da empresa. No limite, a minimização dos impostos pode ser conseguida não tendo actividade nem lucros o que não é uma opção desejável em qualquer perspectiva que se adopte.

Uma estratégia de minimização de impostos raramente é de custo zero. Muitos gestores demasiado focalizados na fiscalidade olvidam a satisfação dos clientes, o incremento das vendas, a inovação, a eficiência...

O paradigma situar-se-á entre a compatibilização dos seguintes fins:

 

a) por um lado, a actuação da empresa num quadro de legalidade estrita e não sofra qualquer coima ou multa por infracção ás leis fiscais e/ou contabilísticas (missão de conformidade).

 

b) por outro, o aproveitamento máximo de:

1.    todos os benefícios fiscais;

2.    todas as não sujeições;

3.    todas as deduções previstas nos vários códigos

4.    todas as isenções

5.    todos os abatimentos à colecta.  

 

            c) por fim, a maximização do valor da empresa. 

 

 

1.3 A LEI FISCAL POSITIVADA

 

O planeamento fiscal basear-se-á no uso das alternativas e lacunas autorizadas nas leis, visando tomadas de decisões que optimizem a fiscalidade das empresas.

Resume-se então a eleger entre as opções lícitas disponíveis as que se apresentam mais vantajosa para a empresa, de forma a obter, através de meios legais, uma redução na factura fiscal.

Dada essa realidade, revela-se imprescindível ter um conhecimento adequado acerca do planeamento e gestão fiscal nas empresas, para que possam ser usadas as alternativas fiscais com vista à criação de valor para a empresa.

O uso dessas alternativas consiste em, através de um bom planeamento fiscal, obter vantagens competitivas derivadas da redução da carga fiscal.

Muito para além da simples opção entre as melhores alternativas previstas nas leis fiscais positivadas, revela-se igualmente importante o aproveitamento em benefício da empresa das lacunas da própria lei. Ou seja, a chamada “elisão fiscal” ou fiscalidade extralegem.

Ainda que permitida face à omissão da Lei, a fronteira entre o tolerável e o proibido nem sempre se revela inequívoca, assistindo-se à perpétua luta entre o legislador que tenta controlar o campo de acção/opção fiscal do contribuinte - entendido latu sensu – e o mesmo contribuinte que munido dos técnicos certos almeja definir um terreno tendente à obtenção da já aludida factura fiscal mínima.

As fronteiras entre o uso e abuso das possibilidades permitidas pelas leis fiscais não são muito claras, tendo o legislador multiplicado historicamente as formas de combate ao uso/abuso do planeamento fiscal, através de medias anti-abuso genéricas ou especificas, inversão do ónus da prova, presunções legais, deveres de comunicação, obrigações de pedido de deferimento prévio, etc.

 

As opções fiscais de optimização, sejam elas o aproveitamento de benefícios e incentivos fiscais, sejam as escolhas de alternativas que minimizem a factura fiscal, colocam-se ao longo de toda a vida das empresas, inclusive na fase de concepção do projecto empresarial, essência do conceito de planeamento. Senão vejamos:

 

A)   Na criação da empresa, lutar-se-á para o aproveitamento dos benefícios possíveis à criação de empresas e postos de trabalho, a escolha do tipo legal societário a criar (sociedade por quotas, sociedade anónima, SGPS, etc.), a escolha das modalidades de financiamento do negócio, a escolha da localização da sede e dos estabelecimentos e a escolha do regime fiscal (quando possível).

 

B)   Nas várias fases de desenvolvimento será necessário o aproveito de benefícios e incentivos na criação, promoção e distribuição dos produtos e serviços; nas formas de crescimento das empresas através de desenvolvimento interno, aquisição, fusão, cisão, alianças estratégicas; escolha de formas de internacionalização, através de sucursal, filial, estabelecimento estável, aliança estratégica, exportação directa.

 

 

C)   Na captação e motivação de empregados e gestores implicando decisões que envolvam a optimização da fiscalidade para a empresa e para os colaboradores, incentivando a fidelização e a melhoria do desempenho

 

D)   Inclusive na fase de encerramento de uma actividade ou empresa, podem colocar-se diversas alternativas de saída do negócio com custos de saída diferentes e onde a fiscalidade pode ser uma das determinantes das escolhas a considerar pelos gestores.

 

 

2 CONCLUSÃO

O planeamento fiscal, definido como um instrumento eficaz de estratégia empresarial para a tomada de decisões que optimizem a fiscalidade das empresas, apresenta-se evidenciado com as seguintes características:

a) Permite evitar a incidência do imposto, isto é, antes de praticar um facto gerador de imposto, caso se verifique consequências negativas não compensatórias ou não desejadas. Por exemplo ao optar pela aquisição de uma viatura de turismo de valor inferior ao limite estabelecido por portaria de acordo com o artigo 34.º do CIRC, de forma a evitar o agravamento da taxa de tributação autónoma, sendo agravada se o valor de aquisição for superior a esse limite.

b) Possibilita reduzir o valor do imposto a pagar (veja-se, citamos a título de exemplo, a utilização de benefícios fiscais que são de dedução ao rendimento ou à colecta, ou a opção por um regime de contabilidade mais vantajoso).

c) Diferimento no tempo do pagamento do imposto, com as medidas que assim o possibilitam.

d) Adopção de medidas que lançando mão do vazio legislativo, permitam fazer escolhas na gestão que culminem no não pagamento ou no pagamento reduzido de impostos.

 

Almejando-se, invariavelmente, pela finalidade da poupança na factura fiscal, levando, desta forma, ao objectivo estratégico fundamental - a criação de valor para a empresa.


(Hugo Telinhos Braga)